Lei da Reciprocidade: a estratégia do Brasil frente às tarifas americanas

A decisão do presidente do Brasil de autorizar o Itamaraty a acionar a Câmara de Comércio Exterior (Camex) para investigar e tomar medidas com base na Lei da Reciprocidade Econômica marca um passo

A decisão do presidente do Brasil de autorizar o Itamaraty a acionar a Câmara de Comércio Exterior (Camex) para investigar e tomar medidas com base na Lei da Reciprocidade Econômica marca um passo estratégico do Brasil no cenário do comércio internacional. A medida surge como resposta ao aumento de tarifas de 50% imposto pelo governo de Donald Trump sobre produtos brasileiros exportados para os EUA e inicia um processo que pode culminar em retaliações econômicas proporcionais, colocando o país em posição de maior força nas negociações bilaterais.

A recente entrada em vigor da Lei da Reciprocidade (Lei nº 14.690/2023) inaugura um capítulo decisivo da política comercial brasileira. Longe de ser apenas mais uma norma pontual, trata-se de um mecanismo moderno de defesa, que recoloca o Brasil em condições de responder de forma proporcional quando parceiros comerciais impõem barreiras injustificadas.

Em termos simples, a lei opera sob o princípio do "olho por olho, dente por dente" no comércio global. Se um país restringe injustamente nossos produtos, o Brasil passa a ter o direito de aplicar medidas equivalentes não apenas sobre bens físicos, mas também sobre serviços e direitos de propriedade intelectual. O ponto-chave é que não se trata de uma escalada rumo a uma "guerra comercial", mas de uma alavanca de negociação: a ameaça de retaliação existe justamente para forçar a outra parte a voltar à mesa de forma mais equilibrada.

Por que essa lei importa agora?

O comércio internacional mudou. Se antes a força econômica se media pela produção de soja, minério ou aço, hoje o verdadeiro poder está nos ativos intangíveis: tecnologia, dados, patentes, marcas e conteúdos digitais. Nesse cenário, tarifas tradicionais perderam eficácia. A Lei da Reciprocidade atualiza o arsenal brasileiro para o século XXI ao incluir explicitamente a possibilidade de suspender direitos de propriedade intelectual como forma de pressão.

Esse detalhe faz toda a diferença. Imagine o impacto geopolítico e econômico de autorizar a quebra de uma patente farmacêutica ou de suspender temporariamente a proteção de um software estratégico. Essa medida atinge diretamente os lucros de grandes corporações americanas que, além de deterem poder econômico, são também financiadoras de campanhas políticas. É um golpe cirúrgico: pressiona o adversário sem aumentar o preço do alimento na mesa do brasileiro.

O jogo é técnico, mas o tabuleiro é político

A lei também não se aplica de forma imediata. O processo segue uma lógica juridicamente defensável e diplomática, passando por estudos técnicos, consultas públicas e deliberação da Camex. O objetivo é claro: ter medidas proporcionais ao dano causado e construir uma retaliação difícil de ser contestada em instâncias como a OMC.

A escolha dos alvos é estratégica. Primeiro, evita-se prejudicar o consumidor local, priorizando bens que tenham substitutos nacionais ou importáveis de outros parceiros. Segundo, mira-se em setores politicamente sensíveis nos Estados Unidos, capazes de mobilizar parlamentares e influenciar a Casa Branca.

Em resumo, cada passo é pensado para aumentar a pressão sem provocar efeitos colaterais desnecessários. Mais do que punir, o que está em jogo é reposicionar o Brasil no xadrez global, demonstrando capacidade de resposta inteligente diante de uma economia cada vez mais ancorada no conhecimento e na inovação.

A Lei da Reciprocidade não é apenas uma ferramenta jurídica ou comercial: é uma mensagem. Ela mostra que o Brasil está disposto a jogar com as regras da nova economia global, onde propriedade intelectual e ativos intangíveis são tão ou mais valiosos que commodities.

O objetivo não é aplicar sobretaxas ou suspender direitos de forma indiscriminada, mas usar a ameaça como trunfo estratégico para garantir negociações mais justas. Nesse sentido, a lei transforma o Brasil de mero espectador em jogador ativo no tabuleiro da geopolítica comercial, e isso, por si só, já altera o jogo.

*Lucas Ruiz Balconi é advogado, Doutor em Filosofia e Teoria do Direito pela USP e estrategista focado na governança e valoração de ativos intangíveis. Sua pesquisa investiga a intersecção entre Propriedade Intelectual, Direito Econômico e Geopolítica. Como sócio da Balconi Moreti, auxilia empresas a navegarem os desafios estratégicos da nova economia.